Há exemplos de superação que mostram que nem mesmo o céu é o limite para quem acredita em seus objetivos. Foi com esta máxima que um professor que dá aulas em Gaspar, no Vale do Itajaí, amante do pedal, cumpriu sua missão ao pedalar por mil quilômetros durante 67 horas ininterruptas.
Pelo longo percurso traçado, com relevo acidentado e mudança drástica na temperatura, fica difícil acreditar que alguém tenha concluído o percurso. A prova que ele enfrentou possui exatos 1.003,2 quilômetros e mais de 18 mil metros de altimetria por todo o percurso.
E o mais incrível é saber que, mesmo com 67 horas seguidas de pedal, o blumenauense com 20 anos de experiência em provas de ciclismo ficou na segunda colocação do pódio, após outro competidor de São Paulo erguer o troféu de campeão, concluindo a prova em 60 horas.
Morador de Blumenau relembra sua participação na prova
Em conversa com a reportagem do ND+, Juliano Gehrke, de 49 anos de idade, revela que esta foi a terceira vez que ele participou do desafio “BikingMan Brazil”, que ocorreu de 25 a 30 de setembro de 2023, no Estado de São Paulo.
Juliano conta que o desafio possui origem europeia e também teve competidores estrangeiros. Porém, foram os brasileiros que levaram a melhor.
“A maioria das provas deste grupo se concentra na Europa, então o Brasil é a única etapa que acontece fora da Europa. É quase como se fosse um campeonato mundial de ultraciclismo”, disse o professor ao ND+.
Sempre na segunda colocação do pódio, em 2021, 2022 e 2023, Juliano conta que pela primeira vez participou da prova sem parar para dormir, apenas com pausas para refeições.
Trajeto feito pelo ciclista alternava entre asfalto e terra
O trajeto desta edição foi semelhante ao das duas anteriores, com início e término em Santo Antônio do Pinhal, cidade próxima de Campos do Jordão, na região Serrana de São Paulo.
“Nas duas edições anteriores, a gente pegou praticamente chuva o dia todo e esse ano a gente teve já uma condição de tempo oposta, a gente pegou muito calor. Então teve dias aí que a gente pegou 44°C durante o dia e lá na Serra do Itatiaia (RJ) a temperatura já baixava pra 10, 8°C”, descreve.
Boa parte do percurso se deu em São Paulo, com rápidas passagens por Rio de Janeiro e Minas Gerais. Após a largada em Santo Antônio do Pinhal, foi hora de descer a serra e chegar à região de Taubaté, novamente subindo para a região do Alto Tietê, próximo a Mogi das Cruzes.
Posteriormente, após passar por um bom trecho entre lagos e represas, como Paraibuna, o ciclista seguiu para o litoral, descendo em Ubatuba (SP), até chegar à vila histórica de Paraty, no Rio de Janeiro.
“Foram aproximadamente 650 quilômetros de asfalto e 350 quilômetros de estrada de terra. Geralmente, o mapa jogava para estradas secundárias, nunca rodovias principais. Então fomos intercalando entre estrada de terra e trechos de asfalto. Acho que o único trecho em uma rodovia principal era esse que ligava Paraibuna a Ubatuba, que desce para o litoral”, conta.
Após passar pelas paisagens paradisíacas do Litoral Norte de São Paulo e Sul do Rio de Janeiro, novamente os ciclistas subiram a serra, passando por uma longa área rural, até chegar a outra cidade fluminense com uma história muito rica: Resende.
Lá, o ciclista seguiu até o Parque Nacional do Itatiaia, uma das regiões mais geladas do Rio de Janeiro, que em algumas épocas do ano chega a registrar temperaturas negativas.
Desta vez, o competidor afirma que foi mais tranquilo passar pela região e que o tempo colaborou. Mas em edições anteriores, passou por momentos tensos na descida do Itatiaia, na divisa entre Rio de Janeiro e Minas Gerais.
“Ano passado, quando eu desci o Itatiaia, tive uma hipotermia e fui acudido por um morador. Estava chovendo muito e precisei ser socorrido. Tem esses lados aí nesse tipo de prova, ainda mais pois o corpo está desgastado, tudo isso complica”, disse o professor.
Pouco a pouco, após a subida e a descida mais íngreme de toda a prova, a competição retorna a São Paulo, passando por cidades como Queluz, Cunha e Cachoeira Paulista.
Ao final, há uma nova subida intensa, menor que as anteriores, entre Pindamonhangaba e Campos do Jordão. Na visão do atleta, a mais difícil de todas.
“Eu tive problemas nos últimos 150 km com a assadura. Acredito que essa é a parte mais desgastante da prova, porque a pessoa já vem cansada, já de horas seguidas e aí chega na última subida e isso afeta demais o psicológico, você já está cansado, teu ritmo é muito menor. E por causa das assaduras, em Queluz, eu já não conseguia mais sentar, pedalei este último pedaço quase todo em pé”, relata.
Após o último aclive, finalizando no mesmo ponto de origem, em Santo Antônio do Pinhal, o atleta contou que comemorou bastante, embora tenha ficado na segunda colocação pela terceira vez seguida.
Mas afinal, qual o segredo para conquistar a missão?
Além dos cuidados com a alimentação e o pedal sendo constantemente praticado no dia a dia, o ciclista que já possui experiência em outros desafios, conta ao ND+ que o preparo físico é muito importante, mas deve ser concatenado com o psicológico.
“O começo sempre é parte mais difícil. Eu já pedalo há 20 anos, então é bastante tempo e tudo é um degrau, é como qualquer coisa na vida. Você nunca vai começar no primeiro dia sendo o melhor naquilo. (…) Eu me reencontrei nesse ciclismo de longa duração que foi onde eu sempre obtive meus melhores resultados, então é uma característica minha. Eu comecei fazendo provas de 6 horas, depois passei para 12, depois para 24 horas e aí surgiu a oportunidade de fazer essa prova de 1000 quilômetros. Então foi meio que uma evolução natural dentro dessa modalidade”, avalia.
O profissional ainda complementa que muitas das limitações do cotidiano são “auto impostas” e podem ser vencidas não necessariamente com força ou preparo, mas com calma, resiliência e sabedoria.
“Se você se propõe a fazer alguma coisa e se dedicar ao seu propósito, você consegue fazer. Eu tenho um amigo que brinca que tem limite é município e eu acredito muito nisso. A limitação que a gente enfrenta é a nossa cabeça. Sempre quando eu vou para uma corrida, o meu maior adversário é eu. Não me preocupo em nenhum momento com quem está ao meu redor, meu foco é em mim (…) e isso me motiva a continuar a treinar, a pedalar, porque eu não sei até onde a gente pode chegar”, finaliza.